Mosca Branca

Brasília 4 Portas: a carta na manga da VW

Inicialmente destinada ao mercado internacional, essa raríssima versão foi a resposta da VW para a demanda dos taxistas brasileiros por um carro quatro portas compacto e econômico

Fruto do talento de Márcio Piancastelli e José V. Martins, a Brasília foi o primeiro Volkswagen, de grande produção, desenvolvido no Brasil. Apresentada em 1973, buscava modernizar o tradicionalíssimo Fusca, cujo design remontava a década de 1930, mantendo a base mecânica comprovada.  Fabricada entre junho de 1973 e março de 1982, se tornou um sucesso de vendas, com mais de um milhão de unidades fabricadas.  Inclusive, foi exportada para países como Nigéria (sob o nome de VW Igala), Filipinas, Kuwait, além de alguns vizinhos da América do Sul.

- 25 E 26 DE MARÇO -
Carros, motos, decorações, miniaturas, peças, ferramentas e literatura
(24) 2243-2876 / 98856-2876

Brasília 4 portas na Nigéria. Lá se chamava Igala  (montagem sobre fotos de divulgação)


Mesmo com toda popularidade, uma versão se destaca como genuína “mosca branca” chamando sempre atenção dos entusiastas: a Brasília quatro portas.

Calcula-se que foram comercializadas no Brasil por volta de 2000 unidades, das quais apenas 100 seriam da luxuosa versão LS. Elas possuem identificação própria no chassi começando pela sigla BQ (as 2 portas começam por BA ou BX).

VW Kombi 1973
R$ 150.000,00

R$ 80.000,00

R$ 45.000,00

DKW Belcar Rio 1965
R$ 80.000,00

Ford Escort XR3 1992
R$ 29.900,00

FNM 2000 JK
R$ 120.000,00

R$ 45.000,00

R$ 48.900,00

FNM 2000 JK 1963
R$ 190.000,00

Ford Corcel de Luxo
R$ 30.000,00

Ford LTD 1978
R$ 85.000,00

Fiat Coupê 1995
R$ 60.000,00

Propaganda filipina cita “engenharia alemã”, provavelmente, por questões de marketing, pois a Brasília era projeto brasileiro. Também menciona “ar condicionado opcional”, inédito para nós   (Foto: divulgação VW)


Embora a VW tenha lançado a Brasília 4 portas no XI Salão do Automóvel em novembro de 1978 — como modelo 1979 — ela não era nenhuma novidade, já que vinha sendo fabricada aqui no Brasil desde setembro de 1975, para exportação, e dividia alguns mercados internacionais com o modelo 2 portas. O motivo de tanta demora foi a forte rejeição dos consumidores brasileiros pelos carros quatro portas, em favor dos modelos de duas portas, vistos como mais bonitos e duráveis, de acordo com o gosto da época.

Submetida a testes de resistência, a Brasília 4 portas não apresentou problemas estruturais na carroceria   (Foto: Revista 4 Rodas nº224)


Em paralelo, no final da década de 1970, o mercado dos táxis e das frotas públicas no Brasil sentia falta de um carro 4 portas compacto e econômico. Muitos motoristas, que usavam o Fusca como táxi, chegavam a retirar o banco do carona para facilitar o acesso ao banco traseiro do “Besouro”.

Atenta a esse nicho estratégico, a concorrente GM apresentou uma variação do popular Chevette, com 4 portas, em abril de 1978 ameaçando as vendas da VW no segmento. Por sua vez, a resposta da montadora alemã foi simples: destinar unidades da Brasília 4 portas — que já era fabricada há quase quatro anos — para o mercado nacional. Mas, diferente dos modelos exportados, elas viriam apenas na versão “Standard”.

Brasília modelo exportação pré-79, com placas brasileiras   (Foto: dioxinis.blogspot.com)


Entre parênteses, existe a lenda de que algumas unidades de Brasília 4 portas, pré-79, versão exportação, teriam sido destinadas a altos funcionários da VW e assim chegaram às ruas brasileiras. Isso parece ser comprovado por essas raríssimas fotografias acima, de um modelo 1975/76, com placas de São Bernardo do Campo.

A ampla lateral da Brasília abrigava confortavelmente as portas extras  (Foto: Fernando Barenco e Revista 4 Rodas nº 224)


A aparência geral das Brasília 4 portas era a mesma das demais, de 2 portas. A principal diferença, evidentemente, estava nas laterais, com as portas duplas. Não foram necessárias grandes alterações para colocá-las de forma harmoniosa. Apenas a porta dianteira foi encurtada em 14 cm, a coluna central adiantada na mesma medida e a porta traseira de 76 cm entrou no espaço. Atrás, ainda havia lugar para um vidro vigia de bom tamanho.

Na frente e na traseira não havia modificações e os para-choques, “Standard”, eram pintados de Cinza Opalescente, o mesmo das rodas.  Faróis duplos, rodas 14 de aço estampado, com calotas copinho e lanternas traseiras vermelhas estriadas, compunham o visual padrão.

O painel da Brasília 2 portas “Standard” 1979 era o mesmo da Brasília 4 portas (Foto: Fernando Barenco)


O interior também era “Standard”: no painel de plástico preto, havia um ressalto onde ficavam os instrumentos: à esquerda, o marcador de combustível, ao centro, o velocímetro (160km/h) com odômetro total e luzes testemunhas, e à direita, o espaço do relógio, quase sempre cego. No meio do painel, ficava o suporte do rádio. Sob este, o cinzeiro e o isqueiro (opcional), e mais abaixo dois difusores de ar.  Já em frente ao carona, se localizava o porta-luvas.

Os interruptores do carro ficavam distribuídos na parte inferior do painel e na coluna da direção, como na Brasília 2 portas. Por fim, havia o volante preto, com um grande botão de buzina elíptico (canoa) adornado com as letras “VW” estilizadas.

O acabamento na Brasília 4 portas 1979, levava a simplicidade ao pé da letra.  (Foto Revista Quatro Rodas nº224 e nº 230)


Os bancos baixos tinham regulagem de encosto em três posições, eram revestidos de courvin, com o assento e encosto forrados no mesmo material. Opcionalmente, podiam vir em tecido. O banco traseiro era fixo, impedindo o rebatimento e reduzindo a capacidade de carga do veículo. Mas havia o lado positivo, pois os ocupantes ganhavam 2 cm a mais de espaço em cada banco.

Lateral da porta  (Foto: Rodolfo, olx.com)


As laterais das portas eram de vinil vincado preto. Lá ficavam a maçaneta embutida, a manivela do vidro e um puxador-alça de plástico. Na porta do motorista, havia a clássica bolsa de plástico franzido e na traseira direita, um cinzeiro.

As portas traseiras também tinham uma trava, que quando acionada impedia a abertura interna o que dava maior segurança no transporte de crianças. O assoalho era forrado de borracha texturizada e o teto em vinil cinza. Apenas três opcionais eram oferecidos pela VW: aquecedor, ventilador elétrico e vidro traseiro com desembaçador.

A suspensão era padrão, com barras de torção longitudinais, barra estabilizadora à frente e barra compensadora na traseira. Apenas, os amortecedores eram recalibrados, mais macios e confortáveis. Os sistemas de freios e direção também não mudavam em relação ao modelo 2 portas.

O carro pesava 906 kg e era movido pelo famoso motor “boxer” 1600 cc, de 4 cilindros, traseiro, refrigerado a ar e tinha na caixa de 4 marchas, precisa e de fácil operação, um dos pontos mais fortes.

Motor 1.6 de carburação simples. Opcionalmente, o dínamo poderia ser substituído por um alternador  (Foto: Alexandre Thomaz)


A diferença mecânica principal era o uso de um carburador simples, ao invés da carburação dupla, padrão dos modelos 2 portas dessa época. Isso era um “trauma” que a Volkswagen trazia da Variant e do TL, que tinham sua carburação dupla muito sensível.  O problema foi resolvido, mas a fábrica optou por não oferecer o recurso, nem nos opcionais, com receio de uma associação.

O que, logicamente, trazia prejuízos, pois, de acordo com testes da revista Quatro Rodas na época, o motor com um carburador produzia 58 cv brutos (11,8 mkgf de torque máximo) contra 65 cv (11,3 mkgf) da dupla carburação. Embora, a velocidade final dos dois modelos fosse quase a mesma: ~128 km/h da 4 portas contra ~130 km/h da 2 portas, havia diferenças sensíveis nos quesitos arrancada e consumo médio. Enquanto a 4 portas ia de 0-100 em 25,7 segundos e andava 10,5 km/l, a 2 portas fazia isso em quatro segundos a menos e rendia três quilômetros a mais: 22,3 s – 12,8 km/l.

A título de comparação, a Panorama 1980 era capaz de acelerar de 0-100 em 18,5 s e chegava a 142 km/h máximos, enquanto o Chevette 4 portas 1979 ia de 0-100 em 19,7 s com final de 138 km/h. Ambos, beneficiados pelo projeto e configuração mecânica mais modernos.

A Brasília 4 portas 1980 externamente não se diferenciava do modelo 1979, mas internamente sim


O ano de 1980 foi cheio de novidades para a Brasília 4 portas: a começar por dois importantes opcionais acrescentados à lista: para-choques cromados e dupla carburação.  Além disso, toda linha passou por uma reformulação interna e essa versão não ficou de fora.

Novo interior “Standard”, para 1980 (Foto: Rodolfo, olx.com)


Os instrumentos foram agrupados num módulo retangular, ficando à esquerda o relógio de horas, ao centro um agregado de nível de combustível/vacuômetro/ luzes testemunha e à direita, o velocímetro (160 km/h) com odômetro total e parcial. No caso da Brasília 4 portas “Standard”, o relógio, o vacuômetro, e o odômetro parcial eram inexistentes; os pontos ficavam cegos).

Além do porta-luvas, um porta-objetos sobre o painel (Foto: Rodolfo, olx.com)


O painel, redesenhado, passou a incluir um prático porta-objeto. No centro, ficavam os controles da ventilação, junto ao difusor de ar e, abaixo destes, o rádio, o isqueiro (opcional) e o cinzeiro, reunidos em um console agregado. Além disso, mais dois difusores de ar foram acrescentados, um em cada extremidade do painel. Os interruptores passaram a ser do tipo tecla, mais modernos e seguros.

Os bancos foram melhorados, mas continuaram revestidos em courvin, com a faixa central desenhada em pequenos gomos horizontais. Como opcional, além do apoio de cabeça, continuava disponível o revestimento central em tecido.

Motor 1.3 álcool com dupla carburação, opção dificílima de encontrar hoje, ainda mais numa Brasília 4 portas (Foto: Século XX V.C.)

Também em 1980, surgiu a Brasília movida a álcool. O motor e o diferencial eram os mesmos do Fusca álcool, 1.300 cc com 49 cv e 9,3 mkgf (brutos). Mesmo empregando a carburação dupla, seu desempenho era deficiente: 0-100 em 32,9 s e final de 118 km/h. Isso fez com que a demanda fosse pequena, pois seu uso compensava apenas pelo preço do álcool, subsidiado na época. Assim, o 1.6 a gasolina continuou tendo a preferência, mesmo entre as Brasílias 4 portas.

Brasília LS 1980, 4 portas, versão top de linha (Foto: Alexandre Thomaz)


Mas, a grande novidade de 1980, foi a possibilidade de encomendar a Brasília 4 portas na luxuosa versão LS. Apesar de a mecânica ser a mesma, as diferenças para a linha “Standard” começavam externamente, na moldura grafite dos faróis, frisos na caixa de ar, para-choques cromados com proteção de borracha e vidros esverdeados.

Painel completo para a versão LS (Foto: Alexandre Thomaz)


Já internamente, o painel era completo e havia um porta objetos junto à marcha. Os bancos vinham de série com encosto para cabeça e eram acabados na combinação de courvin/tecido.

Interior acarpetado da Brasília LS, na versão 4 portas. Bancos na combinação marrom, opcionais da linha LS  (Foto: Alexandre Thomaz)


As portas também eram revestidas em courvin, adornadas de frisos inox, e com detalhes acarpetados, embora, as alças continuassem substituindo o descansa-braço. O assoalho, forrado de carpete, dava ainda mais conforto e luxo ao interior.  A proteção acústica foi melhorada e o nível de ruído, no interior, diminuiu, quando comparado com a “Standard”.

Nas portas revestidas em courvin, detalhes de carpete e frisos (Foto: Alexandre Thomaz)


Além do acabamento monocromático preto, mais comum, também existia a rara opção da cor marrom, que podia combinar com a carroceria, como no caso da Brasília LS das fotos.

Em 1981, não houve grandes mudanças para a linha Brasília 2 e 4 portas.  O fim do modelo já estava no horizonte, por concorrer na mesma faixa de mercado que o Gol, lançado em maio de 1980 e no qual a VW depositava grandes esperanças.

Novo volante, do Gol, na linha 81 (Foto: Tiago Oliveira).


De novidade mesmo, apenas a nova lanterna traseira com lentes tricolores, algumas cores no catálogo, ligeiras modificações na forração dos bancos e a introdução de um novo volante, em V invertido e miolo quadrado, com o lobo de Wolfsburg ao centro, emprestado do próprio Gol. Houve outro esforço da VW para reduzir o ruído interno e a Brasília ficou ainda mais silenciosa.

Devido à atualidade do projeto e a boa demanda, havia polêmica dentro da Volkswagen sobre qual modelo, Fusca ou Brasília, deveria acabar. No final, prevaleceu a confiança no Fusca, e, em março de 1982, a produção da Brasília foi encerrada, para ambas as versões, 2 e 4 portas.

O Chevette foi o principal concorrente da Brasília no segmento dos compactos 4 portas (Foto Revista Quatro Rodas nº 230)


A Brasília 4 portas foi bem aceita em seu nicho e se tornou figura presente nos pontos de táxi e estacionamentos de órgãos públicos nos anos 1980. Além dos taxistas, era preferida, principalmente, por famílias atraídas pelo conforto das portas traseiras.  Até porque, as opções 4 portas de pequeno porte, eram escassas nessa época.

Usadas na praça, de forma intensiva, a maioria das Brasílias 4 portas teve a vida útil reduzida e muitas saíram de circulação mais cedo do que as equivalentes 2 portas, de uso particular, justificando a raridade desse modelo, hoje em dia.

Apesar do lugar especial que os VW refrigerados a ar ocupam no antigomobilismo brasileiro, poucas pessoas conhecem ou já viram essa versão da Brasília. Por isso, são peças extremamente cobiçadas nas coleções, e têm a maior importância na história da linha, por serem exceção, numa época dominada pelos modelos duas portas.

Deixe seu comentário!

CADASTRE SEU WHATSAPP PARA RECEBER.

Geraldo Costa

Graduado em Letras Literatura, fã dos automóveis antigos em geral e dos “novos antigos”, carros até 1990, dos quais gosta de pesquisar histórias e detalhes. Entusiasta do Fiat Uno, também atua como moderador no fórum online do “Clube do Uno Brasil.”

1 Comentário

Clique aqui para postar um comentário