Colunista Convidado

Carros sem sorte

Carros sem sorte

O ‘causo’ verídico de um Dodge 1800 que teve uma vida bem curta

Como é comum em nossas vidas a sorte tem um fator preponderante, às vezes as pessoas têm sorte no amor, nos negócios, nos jogos e também nos objetos que compram entre eles os carros.

Como é de conhecimento geral, existem carros com mais de cem anos devidamente preservados, por um motivo ou por outro eles não tiveram o mesmo destino de seus irmãos contemporâneos.

Foram bem cuidados, alguns trazidos de volta à vida depois de seriamente danificados, mas isto é o destino de cada um.

Hoje eu vou me ater a uma história ocorrida com um amigo em 1973.

Já era o final do ano, quando a revendedora Janda, lá da Rua Rosa e Silva, recebeu os primeiros modelos do recém-lançado Dodge 1800. O conhecido Doginho.

E o cunhado deste meu amigo ao passar em frente ao showroom se interessou pelo Avenger nacional e imediatamente deu seu Fusca 68 de entrada e abraçou um carnê de 24 salgadas parcelas. Não sei se por falta de experiência ou de dinheiro mesmo, o sujeito deixou para fazer o seguro do carrinho em outra ocasião.


Foi nessa maldita hora que meu amigo cometeu a maior bobagem de sua vida.


No dia seguinte foi com a mulher buscar a nova propriedade da família e para mostrar o progresso do casal, resolveu ir levar em primeiro lugar para os sogros, que moravam ali pertinho na Alameda Barão de Limeira.

Eles moravam naquela parte da rua que até hoje é boa, quase na linha férrea. Parou o carro em frente ao sobradinho geminado (eu adoro quando as pessoas escrevem ou falam “germinado”, que dá a impressão de serem cheios de germes. kkkkk) e foi chamar os parentes para ver a maravilha sobre rodas da qual se tornaram proprietários.

Foi nessa maldita hora que meu amigo cometeu a maior bobagem de sua vida e pediu para o cunhado deixá-lo experimentar o carro novo.

Para quem não conhece São Paulo, a Barão de Limeira começa na Praça General Ozório, esquina com a Av. São João e termina beirando os trilhos da Sorocabana. E o meu amigo seguiu em direção ao Centro, cruzou a Duque de Caxias para em seguida entrar na Rio Branco.

O trânsito estava livre e ele seguiu a uns 60 km/h pela Duque. Acontece que ali próximo tem um quartel do Corpo de Bombeiros e numa emergência, uma grande viatura foi deslocada em direção a um incêndio.

Bem na hora que o meu amigo estava chegando com o semáforo aberto para ele, o tal “American La France” chegou de sirene aberta pela contramão e literalmente passou por cima do capô do infeliz Doginho.

Do para-brisa para frente não sobrou nada. Os 18 mil quilos do caminhão carregado d’água, arregaçaram literalmente tudo, foi uma pancada tão violenta que as rodas dianteiras caíram ambas para um lado só, a do lado da pancada para dentro e a outra para fora.

Meu amigo saiu por muita sorte quase ileso, exceção feita a algumas escoriações e um grande entorse no pé esquerdo. E coberto de razão, pois trafegava na sua mão de direção, em velocidade compatível ao local e com o semáforo aberto para ele.

Aquilo foi um rififi danado, encheu de gente e de polícia, boletim de ocorrência foi lavrado e ele levado para a Central do Pátio do Colégio, para ser medicado.


Enquanto tramitava a ação, meu amigo ganhou de presente o tal carnê com a primeira parcela vencendo no dia cinco…


Umas duas horas depois, com o cunhado ainda lívido pelo ocorrido, foram procurar um advogado para ingressarem com uma ação contra o Estado, coisa rápida, uns 8 anos (kkkkkk) até ser julgada, com a quase certeza do ganho de causa.

Enquanto tramitava a ação, meu amigo ganhou de presente o tal carnê com a primeira parcela vencendo no dia cinco do seguinte mês e para o cunhado não ficar a pé, seus pais tiveram de raspar a poupança para comprar um Fusca 60 de 6 volts e com a primeira seca.

Mas 8 anos, três meses e vinte e um dias depois, veio o dia do grande julgamento. Decisão dos jurados: 5 votos a zero em favor da Polícia Militar, onde colocaram o meu amigo como “VÍTIMA DO DEVER”, pois o caminhão estava indo salvar vidas.

Recorreram, mas não deu em nada. Pagaram um Doginho sem ter, pois, aquele ficou até o fim da dívida encostado numa garagem e quando já não valia nada, foi para um ferro velho.

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Guarany Ricci

É mecânico, um apaixonado por automóveis e pela história deles. Além de um grande contador de 'causos'!