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O Schwimmwagen II feito pela Porsche – Parte 1

O Schwimmwagen II feito pela Porsche – Parte 1

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente a imprensa começou a divulgar o leilão de um lote de veículos Porsche da afamada coleção do humorista americano Jerry Seinfeld. Mas o que me chamou a atenção foi um “estranho no ninho”: entre os flamantes carros esporte está um raríssimo e pouco conhecido utilitário, e é sobre ele que vou falar. Na foto de abertura aparece a primeira versão do Porsche 597 “Jagdwagen” (carro de caça em alemão) disputando espaço com carros esporte 356 no estande da Porsche no Salão de Genebra de 1955. Deve ter sido uma visão intrigante!

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Carro da coleção de Jerry Seinfeld, um raro Porsche 597 Jagdwagen ano 1958, já da versão mais adiantada, incluído no leilão de um lote de seus veículos Porsche

Mas, como foi que a Porsche decidiu projetar, nos anos 1950, um utilitário com tração nas quatro rodas e, de início, anfíbio? A origem deste carro remonta à formação das Forças Armadas Alemãs após a Segunda Guerra Mundial.

Em 1954 a Alemanha Ocidental estava pronta para cumprir as suas obrigações junto à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e ajudar na defesa da Europa Ocidental — era a época da Guerra Fria.

A recém-criada Bundeswehr, o Exército Federal Alemão, necessitava de um moderno equipamento militar para todo o serviço da classe LKW 0,25 t gl 4×4 (classificação específica deste exército para veículo tático de transporte leve). Então o exército, juntamente com o governo alemão, abriu licitação para um “veículo militar leve de uso geral com tração nas quatro rodas”. O veículo tinha que ser simples, robusto e confiável.

Três fabricantes foram convidados a apresentar propostas: Borgward, Auto Union e, surpreendentemente, Porsche (que estava procurando aumentar o seu mercado, inclusive por meio da diversificação de produtos).

Todo o processo de seleção foi conduzido pelo exército em grande parte em seus campos de treinamento militar. Apesar das dificuldades decorrentes do reinício de atividades no pós-guerra, os três fabricantes consultados apresentaram os seus candidatos. Os veículos da Auto Union e da Borgward (que apresentou um veículo da Goliath, pertencente ao Grupo Borgward) destacavam-se externamente através de forte semelhança com a aparência do americano Jeep Willys. Já o veículo da Porsche foi buscar inspiração nos projetos de veículos militares baseados na mecânica do Fusca que Ferdinand Porsche havia desenvolvido — nada mais natural.

O veículo que mais deu panes e quebras durante os testes, fato que o desqualificou, foi o carro militar Goliath Tipo 31, que começou a ser desenvolvido em 1953. Entre 1954 e 1956 foram fornecidos 50 protótipos para participar dos testes comparativos. Estes protótipos tinham estágios evolutivos diferentes, pois foram sendo feitas melhorias à medida que as falhas ocorriam no campo de provas.

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Goliath Tipo 31, representante da Borgward, batalhando no campo de provas do exército em Eisenach; seu motor dois cilindros a dois tempos com injeção de combustível mecânica tinha 38 cv e a tração nas rodas traseiras podia ser desligada

O Tipo 31 tinha inicialmente um motor dois-cilindros dois-tempos de 900 cm³ a injeção, dois cilindros e 40 cv. Como parte das tentativas de melhorar o produto, a partir de 1957 este veículo recebeu um motor boxer 4-cilindros a quatro tempos de 1.100 cm³ e 50 cv de potência. Estima-se que 17 exemplares restam hoje.

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Goliath Tipo 31. foto do arquivo da Bundeswehr, uma versão um pouco melhorada; note-se o suporte para pá sobre o para-lama

Com a evolução deste veículo, o seu Tipo 34 de 1957 acabou ficando muito parecido com o veículo DKW.

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O Goliath Tipo 34 em um evento recente; a semelhança com o DKW MUNGA é muito grande

A Auto Union participou com o desenvolvimento de um carro para atender à licitação do exército alemão com base em sua experiência com o utilitário Horch 901 que participou da Segunda Guerra Mundial. O Horch 901, um veículo de peso médio, base para o desenvolvimento do DKW MUNGA, foi produzido entre 1937 e 1943 na fábrica da Horch em Zwickau atendendo às especificações da Wehrmacht, o exército do III Reich, entre elas suspensão independente das quatro rodas e tração integral.

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Horch 01 em plena ação na Wehrmacht durante a Segunda Guerra Mundial, com a curiosidade das rodas “loucas” nas laterais para ajudar a vencer terrenos mais acidentados, bem como superar lamaçais

O  DKW, que acabou sendo o vencedor, preencheu os requisitos com seu motor de dois tempos e três cilindros de 896  cm³, tração nas quatro rodas, bom preço e disponibilidade de fabricação. Do seu nome completo  em alemão resultou seu apelido, MUNGA, acrônimo de Mehrzweck UNiversal Geländewagen mit Allradantrieb — carro todo-terreno para uso universal com tração integral — e que foi fabricado no Brasil de 1958 a 1962, inicialmente com o nome de Jipe  DKW. Para evitar questionamento com a Willys-Overland do Brasil, detentora da marca Jeep, em 1960 seu nome passou para DKW-Vemag Candango, numa homenagem aos trabalhadores que construíram Brasília.

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Um MUNGA sofrendo nos testes realizados pelo exército alemão

Havia três versões de MUNGA dedicadas ao serviço militar, como a tabela abaixo mostra:

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Significado dos termos: Wanne – banheira Pritsche kurz – plataforma curta Pritsche Lang – plataforma longa Baujahr – ano de fabricação 4-Sitzer – 4 lugares 6/8 Sitzer je nach Austattung/Rüstsatz – 6/8 lugares dependendo da versão/acessórios Radstand – distância entre eixos Spurveite – bitola Zug. Gesamtgewicht – peso total admitido Leergewicht – peso vazio Höchstgeschwindigkeit – velocidade máxima LxBxH – CxLxA

O MUNGA permaneceu em serviço de 1954 até 1980, com aproximadamente 25.000 unidades, servindo ao exército, marinha e aeronáutica, tanto na versão de 4 lugares ou estendido para 6 lugares e 8 lugares, também usado como para o transporte de feridos (com duas macas).

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MUNGA versão de 4 lugares

Como curiosidade apresentamos um MUNGA de quatro lugares equipado com um kit que o transformava em transporte “precário” de até dois feridos. Várias empresas foram contratadas pela Auto Union para desenvolverem tais kits, como a Christian Miesen, de Bonn, que desenvolveu seu kit para o MUNGA F91/4. Bastavam duas pessoas para montá-lo e o kit ficava guardado num saco de lona de 80 x 30 x 30 cm que pesava 33 kg.

Os MUNGAS depois foram substituídos pelo VW Iltis, um utilitário projetado para atender às especificação militares e que fez com que o fornecimento desse tipo de veículo para as Forças Armadas Alemãs passasse ao grupo Volkswagen. Se bem que entre 1968 e 1990 uma versão moderna do Kübelwagen, o Tipo 181, cuja classe nas Forças Armadas era PKW 0,4t tmil 4×2, e que nos EUA foi apelidado de “The Thing” (‘A Coisa’ em inglês), também foi usado pelas Forças Armadas da Alemanha, para fazer a ponte entre o MUNGA e o Iltis.  O VW Tipo 181 era produzido na fábrica VW de Puebla, no México.

O Iltis foi a evolução do MUNGA depois que a Volkswagen absorveu a Auto Union em 1965, que se encontrava sob controle da Daimler-Benz desde 1958.

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O VW 181 Kübelwagen, mantido em condições originais de quando “servia” ao exército alemão; foto tirada em 06/08/2005 por M.Müller no encontro de veículos militares da cidade de Stetten am kalten Markt, Sirmaringen, Baden-Württemberg, Alemanha

Voltando ao VW Iltis, cujo código militar era LKW 0,5 t tmil gl (4×4), ele foi usado entre 1978 e 2008, e ele “serviu” ao exército e à aeronáutica alemãs e também foi usado pela OTAN e pelas forças armadas de vários países.

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O VW Iltis 1982 em sua versão standard, pertencente ao acervo do VW AutoMuseum; a chave para entender seu código militar, LKW 0,5 t tmil gl, é a seguinte: LKW – veículo de transporte (Last Kraft Wagen – veículo automotor de transporte); 0,5 t, ae carga útil; tmil = teilmilitalisiert, parcialmente militarizado; gl, geländegängig, todo terreno

Depois de encerrar a fabricação na Alemanha a linha de montagem do VW Iltis foi vendida para a empresa canadense Bombardier que depois forneceu CKDs para a própria Volkswagen que os montou em sua fábrica na Bélgica.

O sistema de tração integral do VW Iltis foi tomado como base para o desenvolvimento do sistema de tração integral do Audi quattro, de 1980.

Aqui termina a Parte 1 deste trabalho, que continua na Parte 2 e que traz a o foco real desta matéria que é o Porsche 597, o terceiro na disputa e, a meu ver, de longe o melhor.

Aliás o leitor já deve ter notado o meu grande respeito e admiração por Ferdinand Porsche, extensivo ao eu filho Ferdinand Anton Ernst “Ferry” Porsche,  que seguiu os passos do pai desde cedo indo trabalhar com ele e se tornando uma peça importante nas atividades da empresa no período de antes da Guerra. Depois de 1945 Ferry assumiu as rédeas quando o pai, de uma forma totalmente injusta, foi enganado e depois feito prisioneiro pelos franceses. Ele passou a conduzir a empresa por uma rota de sucessos, embora com alguns percalços. Mas foi sob o comando de Ferry que surgiu o primeiro carro de marca Porsche, o 356/1, em 1948.

Outra dica: na Parte 2 os caros leitores, em especial os que apreciam a tecnologia Porsche arrefecida a ar, bem como a mecânica apurada 4×4, irão encontrar informações muito interessantes, como acesso a vídeos do passado e de hoje mostrando o Porsche 597  “em ação”. Não deixe de ler!

 

[box] Alexander Gromow – Ex-Presidente do Fusca Clube do Brasil. Autor do livro EU AMO FUSCA e compilador do livro EU AMO FUSCA II. Autor de artigos sobre o assunto publicados em boletins de clubes e na imprensa nacional e internacional. Participou do lançamento do Dia Nacional do Fusca e apresentou o projeto que motivou a aprovação do Dia Municipal do Fusca em São Paulo. Lançou o Dia Mundial do Fusca em Bad Camberg, na Alemanha. Historiador amador reconhecido a nível mundial e ativista de movimentos que visam à preservação do Fusca e de carros antigos em geral. Participou de vários programas de TV e rádio sobre o assunto. É palestrante sobre o assunto VW com ênfase para os resfriados a ar. Foi eleito “Antigomobilista do Ano de 2012” no concurso realizado pelo VI ABC Old Cars.[/box]

 

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