Colunista Convidado

Meu relato de vida

Meu relato de vida

*Marcelo Senteio

[dropcap]E[/dropcap]u nasci em 1967, e como bom brasileiro que sou, tenho descendência de outras culturas.
Nasci nobre, em berço rico, todos me queriam em suas casas, mas poucos me puderam ter.
Nada se comparava a mim, eu era grande e minha força era incomparável.

Eu levava você e sua família para qualquer lugar, sem exceção. Não havia barreiras no meu caminho.

E em mim, você podia confiar! Pois eu nunca lhe deixava na mão.

Tudo em minha estrutura era muito bem pensado e projetado, me fazendo assim um objeto de desejo e acima de tudo mais um membro da sua família.

Eu aprendi a gostar de viajar, pois sentia em você aquele prazer de estar ali comigo, naquela estrada toda nossa, a frente de todos, a muitos quilômetros por hora…

Você em silêncio e eu roncando em um som perfeito e totalmente singular da minha raça.
Uma vez viajando numa destas longas viagens que fazíamos, eu percebi que seus olhos estavam cheios de água, não entendi muito bem naquele momento o que você estava sentindo, mas depois de alguns minutos, senti que você passou a mão no painel e percebi em seu tato o carinho que você tinha por mim.

Hoje, eu estou aqui sozinho, no tempo, parado há mais de 15 anos, depois que você morreu, eu morri também!

Não sinto mais minhas pernas há anos e meu coração de sangue “azul” não bate há muito tempo. Eu aguardo meu fim, já vieram estranhos aqui e me levaram um braço, o outro tirou meus rins.

Eu que dei tanta segurança e proteção, hoje sou dilacerado sem dó, minhas partes são vendidas por qualquer valor.

Aquelas mesmas lágrimas que um dia você derrubou no meu banco, que foram de alegria, hoje as derrubo dos meus faróis, mas estas são de tristeza, pois você que passava tanto tempo comigo, nunca iria deixar estes estranhos fazerem isto, negociar meus órgãos.

Não sei por que ainda permaneço vivo? Como será que está o mundo lá fora? O mundo atrás dos muros deste desmanche, como será?

Já olho para estas paredes há quase 15 anos, entra dia, chega noite; o orvalho queima minhas costas, o sol o seca e assim é minha vida, imóvel, esperando a morte me buscar…

Hoje quando acordei, abri meus olhos e vi dois rapazes me olhando, um com a mão no queixo, uma das sobrancelhas levantadas, um sorriso no rosto e olhos lagrimejando.

Me rodeavam, abriram meu peito e tocavam no meu coração, mas desta vez senti naquele toque algo diferente, algo familiar, não sei explicar… Eles se afastaram e fechei meus olhos, perdendo assim o pouco de esperança que eu ainda tinha.

Mas depois de uma meia hora, um deles, aquele que tinha os olhos molhados, vem em minha direção, se abaixa e diz no meu ouvido, falando bem baixinho: — Demorei anos te procurando, você é meu irmão, meu pai morreu e eu estava na barriga da mamãe, e ela, minha mãe, contava histórias incríveis de você com papai! Acabei de comprá-lo de volta, agora você é meu! Te deixarei como veio ao mundo. E eu e você iremos viajar muito!

Ele se afastou e chegou um guincho para me buscar, eu nunca tinha sido guinchado.

No caminho para casa, que por sinal, ainda era a mesma casa e aquele caminho eu conhecia muito bem, eu pude sentir as minhas pernas, que sensação incrível, o vento batendo no meu pára-brisa.

Senti meus faróis se molharem, igual naquela vez que você chorou, você estava comigo e sua esposa esperava um filho seu, e você chorava, derramando suas lágrimas no meu banco, hoje posso entender que eram muitas alegrias juntas!

Entendi o porque que havia resistido tanto e de não ter morrido por completo.
Meu irmão me salvou!

Hoje completo 41 anos, estou perfeito, com uma saúde de “ferro”!

Meu irmão cumpriu o prometido. Quem me vê hoje não imagina por quanto sofrimento eu já passei. Faço parte até de um clube, e neste clube pude conhecer meus parentes, meus irmãos de sangue azul, assim como eu.

Irmãos da mesma raça que também tiveram a mesma sorte que a minha, de terem donos que nos amam e fazem de nós membros da família!

Fica aqui meu relato de vida.

Meu nome????

GALAXIE!!!

[box type=”shadow” ]*Marcelo Senteio é amante da história nacional, sócio do Galaxie Clube do Brasil, preserva e mantém a história automobilística nacional cuidando de um Ford 1929, um Miura 1979, um Opala 1973 e, claro, o Imperador que é um Galaxie Landau 1979. Filatélico e numismata na área nacional. Coleciona também brinquedos, relógios e outros itens. Nas horas vagas escreve para sites e revstas, cria miniaturas em papel dentre outros diversos hobbys. [/box]

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