Colunista Convidado

Era para ser somente um carro, mas a Alfa me levou

*Por Marcelo Paolillo

Oano era 2006, pouco tempo de casado, já com 02 filhos e uma vida normal como qualquer pessoa normal: acordar cedo, ir para o trabalho, voltar para casa, jantar e, antes de dormir, jogar aquela partidinha do Fifa, ou até mesmo umas voltas no Need for Speed.

Um dia navegando pela busca do Mercado Livre, digitei, dentre vários itens, “Alfa Romeo 2300” e veio à tela um 2300 parecido com a que meu pai teve quando eu era criança. Por ser um carro que me remetia ao passado, merecia vistoria ao vivo.

Meu pai e seu 2300

Num belo sábado disse à esposa que iria dar uma volta com o cachorro e cruzei a cidade para ver aquele carro. Foi só me sentar ao volante, ligar o carro, escutar o som do motor e, de repente, uma caixa se abriu dentro de mim, e começaram a vir as lembranças da infância e juventude que passei dentro de um Alfa Romeo 1975, comprado em 1978.  Eu só tinha 6 anos na época e as experiências a bordo daquele carro não foram poucas: viajávamos para Águas de Lindóia todo final de semana escutando Roberto Carlos e eu sentado no descansa braço do banco traseiro. Como corria aquele carro! O velocímetro marcava 220km/h e fazia muita curva, eu me divertia rolando nos bancos.

Foi só sentar ao volante…

Mudamos para o interior de Minas Gerais e o Alfa nos acompanhou. Nele, aprendi a dirigir, ia para a escola, mesmo sem carta, encontros com a minha primeira namorada…. Quantas aventuras com aquele carro, que teve seu fim no ferro velho da cidade, em 1988. Como eu havia me esquecido de tudo isso, minha infância e adolescência dentro de um Alfa? Resultado, negócio fechado.

O primeiro Alfa Romeo

Acho que foi a primeira e única vez que a esposa brigou comigo por comprar um carro velho. Como pode uma pessoa normal comprar um carro velho, para que?

Pois é, aquele era só para ser um carro velho que me trazia lembranças, mas o destino reservava outro futuro para minha vida.

Eu e minha esposa

Comecei a me aprofundar no mundo Alfa Romeo. “Santa Internet”, tem tudo! Conheci pessoas que entendiam do carro, garimpo de peças, até mesmo outro Alfa 2300, porque não? Ninguém queria mesmo, achavam-se carros bons jogados na rua… e lá veio o segundo 2300.

E então chegou o segundo

E já que você tem 2 2300, precisa de um outro para doar peças, certo? Então lá veio o terceiro. Já estava me sentindo confiante e, acompanhado de amigos apaixonados por Alfas, encontros de Alfas, novas amizades, os finais de semana começaram a mudar. Lá vamos nós ver Alfa velha. E nisso veio a quarta, quinta e cada dia que passava eu me apaixonava mais pelo carro com aqueles 4 faróis (OO=\/=OO). Que lindo! Já fazia parte da família.

Um belo dia me foi apresentado um senhor de cabelos bem brancos de fala baixa e um português bem arrastado. Brasileiro não era, mas queria ver os 2300. Fomos até a garagem, onde eu guardava os carros e lá tirou varias fotos. No final me disse: “parabéns pela coleção.”

“Coleção?”,  pensei. Como assim? São só carros velhos, inclusive um amigo havia me dito que eu estava “catando latinha velha na rua”. Eu nem entendia do universo dos carros antigos, mas já conhecia muitas pessoas que eram apaixonadas por Alfa Romeo e alguns deles tinham grande paixão pelas 2300, resultado: melhores amigos, loucos iguais a mim, e isso era sensacional.

A garagem e no detalhe meu novo amigo

O trabalho me levou até a Europa, e, já que estava por perto, por que não visitar aquele amigo de cabelos brancos? Retribuir a visita seria muito educado, e lá fui eu.

Eu e alguns de meus amigos

No Aeroporto de Milão esse meu amigo me disse: “vamos ver Alfa Romeo?” Fui levado até uma cidade próxima chamada Arese, sede da antiga fabrica da Alfa Romeo. Já na entrada havia uma logo da marca meio apagada e logo descobri que eu estava em um lugar muito importante, o Centro de Documentação Histórica da Alfa Romeo.

Centro de Documentação Histórica

Ao entrar o cheiro e a energia daquele lugar era algo muito agradável. Logo fui apresentado a uns jovens senhores da minha idade grandes apaixonados pela marca, que eram os responsáveis por aquele lugar. “Piaciere… sou um brasileiro que gosta de 2300”.  O meu amigo de cabelos brancos então me fala, “mostra as fotos da sua ‘coleção de 2300’”. “Coleção? Como assim, são só Alfas Velhas que eu comprei”, pensei comigo. Logo tirei o celular do bolso e comecei a mostrar as fotos. A reação foi imediata, “Che Belissimas Duemille e Tre. Cumplimentti, noi siamo tutti orgulhosi de há fatto macchina in Brasile, Bravissimo.” (Que belíssimas 2300.  Parabéns, nós temos muito orgulho de ter construído carros no Brasil).

Não tinha ideia do que estava acontecendo, e logo me foi apresentado o lugar, que era o CENTRO HISTORICO DA ALFA ROMEO, e eu estava no meio dos arquivos da marca mais tradicional da Itália e uma das maiores do mundo.

Ainda fui agraciado com um livro que continha uma dedicatória: “Ao mio Amico MR 2300 …”. Era minha certidão de nascimento Alfista.

Mr 2300? Só por causa daquelas Alfas velhas no Brasil? Como surpresa final, fui convidado a conhecer o Museu Alfa Romeo que na época estava fechado ao público, por decisão judicial. Ao entrar, me deparei com algo que nunca havia visto na vida, Bertone, Zagatto, Pininfarina, Enzo Ferrari, Fangio e 5 andares de carros que fizeram historia, não só na Itália, mas no mundo. Os três dias que seguiram naquela viagem foram uma imersão ao mundo Alfa Romeo, que eu nem imaginava que existisse.

Tive o prazer de conhecer o Museu

Demorei uns meses para entender o que havia acontecido comigo. Naquela viagem eu pude entender que não era só a paixão o que eu nutria pelo carro do meu pai, mas as 2300 eram carros importantes. Comecei a estudar a fundo a historia do carro no Brasil, o porquê ele foi fabricado aqui, o que foi a FNM, a política, história do Brasil… estava tudo interligado com a historia do carro e, de repente, eu estava envolvido junto com os autores, apoiando-os na árdua tarefa de contar a história das Alfas Brasileiras.

Mas eu ainda escutava que Alfa na época só dava problema, eram carros caros, de difícil manutenção, viviam quebradas, mas a minha realidade era totalmente diferente.

Foi então que se aproximou o aniversário de 40 anos de lançamento do carro, o que fazer? Vamos mostrar que esses carros são confiáveis e que não quebram. Que tal uma viagem de 2300km pelo Brasil? Vamos voltar às origens? “40 Anos se comemora na estrada” e lá fomos nós, um bando de apaixonados, loucos, que embarcaram no meu sonho de viajar de Alfa Romeo pelo Brasil e comemorar o aniversário do carro na porta de onde ele foi fabricado exatos 40 anos, depois com direito a bolo e champagne.


Momentos da viagem “40 Anos se comemora na estrada”

Aquele senhor de cabelos brancos também veio fazer parte da loucura, e aquele jovem que me recebeu no Centro de Documentação histórica da Alfa Romeo enviou uma carta oficial apoiando o evento. Nossa, quanta gente maluca tem nesse mundo, me apoiando nessa aventura! Confesso que foi uma das maiores experiências que tive na vida. Rodamos 2.732km. No total mais de 100 carros participaram da aventura, em diversas etapas, cruzamos várias cidades desse país. Nos emocionamos em Xerém, terra da FNM, onde fomos muito bem recebidos pela Marcopolo (antiga fábrica da FNM) e pelo INMETRO (campus também fez parte da FNM).

Bela recepção na fábrica da Fiat, em Betim-MG

Fizemos a ligação Xerém/Betim, onde a FIAT abriu as portas da Fabrica e nos recebeu maravilhosamente bem. Um monte de funcionários da fábrica olhando aquelas Alfas entrando e desfilando onde a maioria delas nasceu. Todos nós que participamos daquela viagem, saímos mais felizes do que quando começamos, com um sentimento de missão cumprida e a certeza de que nenhuma Alfa quebrou no caminho.

A jovem imprensa automotiva não tinha muita ideia do que era Alfa Romeo e tampouco o que era Alfa Romeo 2300, mas a noticia correu o Brasil inteiro. Essa viagem foi pauta de diversos sites e jornais e foi interessante ver que os jornalistas da velha guarda escreviam tão bem e o jovens tinham que estudar para escrever. O Portal Maxicar registrou muito bem nossa viagem no site.

Reportagem sobre os 40 anos no Jornal do Carro e matéria recente da Classic Show

Depois disso o mundo mudou, minha vida mudou, não conseguia ser mais aquele rapaz que saia para trabalhar e voltava para casa. Vida normal, nunca mais.

Várias viagens de Alfa com a família, eventos de carros antigos Brasil afora, matérias em jornais e revistas falando sobre o carro.

Uma viagem de volta ao berço da Alfa Romeo na Itália aconteceu e dessa vez com um livro debaixo do braço e de Alfa 2300, contanto a história das Alfas Brasileiras, que ficará eternizada nos arquivos do centro histórico da Alfa Romeo.

De volta à Itália, desta vez com o livro sobre o Alfa brasileiro

Esse mundo do antigomobilismo ou do “Amigomobilismo” me levou para outro caminho, que aliás não tem mais volta. 90% das minhas amizades mudaram ao longo desses 11 anos, quanta gente bacana eu conheci, quantos lugares visitei por causa da Alfa Romeo, quantas surpresas agradáveis eu tive por cuidar com tanto carinho de um carro esquecido no tempo.

Como é agradável ver hoje esse carro voltando ao cenário do antigomobilismo e alguns amigos tirando as capas da garagem e fazendo os carros voltarem à vida. Fico feliz de raramente ver um carro desses jogado pelas ruas.

Era para ser somente um carro, mas a ALFA ME LEVOU e não tem mais volta.

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Marcelo Paolillo

Sou paulistano, tenho 45 anos, nascido no Ipiranga, me mudei para Minas Gerais com 8 anos onde morei por 10 anos até retornar a São Paulo, me especializei em turismo, viajei o mundo afora e sou agente de viagens.

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