Repórter Maxicar

PINAR: a obscura história do “primeiro automóvel brasileiro”

Pinar 1950

Com apenas três protótipos fabricados em 1950 e 1951, a criação do PINAR carece de detalhes e envolve política, versões desencontradas e até espionagem industrial

O ano é 1950. Finda a Segunda Guerra Mundial 5 anos antes, os países europeus — a maioria deles arrasados — ainda trabalhavam para reconstruir seus parques industriais e atender com satisfação a demanda por novos produtos industrializados, inclusive automóveis. A escassez de recursos e matérias primas — sobretudo o aço — ainda era grande. Enquanto isso, os Estados Unidos viviam o início da era dos famosos “anos dourados”, com uma verdadeira explosão de desenvolvimento, consumo e mudanças de hábitos.

Vista aérea da FNM. No detalhe caminhão fabricado em parceria com a extinta Isotta Fraschini

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O Brasil era governado por Eurico Gaspar Dutra — que em breve seria sucedido por Getúlio Vargas em seu terceiro e último mandato — e dava seus primeiros passos na era da industrialização, que ganharia mais força com os “50 anos em 5”, de Juscelino Kubitschek, a partir de 1956.

Em Xerém, então distrito do município de Duque de Caxias – RJ, a Fábrica Nacional de Motores — popularmente conhecida como FêNêMê —, uma empresa estatal ligada ao Exército e fundada durante à Guerra para a produção de motores aeronáuticos, firmava acordo com a italiana Alfa Romeo, e dava início à uma nova fase na produção de caminhões, depois de uma curta aliança de três anos com outra fabricante da Itália: a Isotta Fraschini, que encerrava definitivamente suas atividades.

Mistérios

E é neste cenário que surge aquele que nasceu com os títulos de “primeiro automóvel totalmente brasileiro” e “primeiro automóvel fabricado inteiramente à mão no Brasil”, de acordo com seus criadores. Seu nome? PINAR, cujo significado da sigla era Pioneiro da Indústria Nacional de Automóveis Reunidas”. Pouco se sabe a seu respeito. Não existem muitos documentos oficiais e não se tem notícias de nenhuma testemunha daquela época que possa ainda hoje dar detalhes sobre o assunto. Até mesmo registros da imprensa são raros.

Capitão Edvaldo e Otolini

Sabe-se que o PINAR foi projetado pelos amigos Edvaldo Oliveira dos Santos e João Gimenes, respectivamente capitão e tenente, ambos trabalhando para o Serviço de Motorização do Exército. Foram fabricados a mão três protótipos: em 1950 um sedan de 4 portas. Em 1951, um coupê e um conversível. A construção ficou a cargo do inventor Domingos Otolini. Nesta época o Serviço de Motorização do Exército era fortemente ligado à Fábrica Nacional de Motores, por isso, algumas fontes citam o PINAR como um projeto oficial da FNM. Otolini possuía uma empresa metalúrgica no bairro do Grajaú, no Rio de Janeiro, chamada Regulador de Vehículos Ney Ltda. E foi nas oficinas da empresa que os protótipos foram produzidos.

Além disso, não existe nenhum indício seguro — como projetos ou documentos — sobre o PINAR nos arquivos do Exército ou da própria FNM. Há sim esboços de projetos para a fabricação de um automóvel de passeio de 1950, na biblioteca do Instituto Militar de Engenharia (IME). Contudo, esses documentos não indicam explicitamente se tratar do PINAR.

Dutra e Vargas

Por essas razões, acredita-se que o automóvel não tenha sido um projeto oficial do Serviço de Motorização do Exército ou da FNM, mas sim uma iniciativa particular dos amigos Santos, Gimenes e Otolini, e que o objetivo era o de “vender” a ideia ao Governo Federal, que poderia aproveitar as instalações da própria Fábrica Nacional de Motores para a fabricação do automóvel em larga escala.

Em 1951 Getúlio Vargas é apresentado ao PINAR Conversível. São Paulo ou Petrópolis?

A primeira apresentação do automóvel aconteceu em julho 1950. O modelo Coupê foi mostrado  ao então Presidente Dutra. A segunda apresentação aconteceu no ano seguinte. É controversa e tem duas versões. A primeira, oficial, diz que Getúlio conheceu e andou no PINAR durante a Exposição Industrial de Água Branca de 1951, em São Paulo. O conversível teria chegado à capital paulista rodando pela antiga Rodovia Rio-São Paulo, e despertado a curiosidade das pessoas por onde passava.

A outra versão, contada por uma bisneta de Gimenes, diz que o carro foi mostrado a Vargas quanto ele encontra-se em férias de verão em Petrópolis-RJ. Com o presidente estava o seu Ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha. Vargas teria inclusive passeado no PINAR pelas ruas da Cidade Imperial.

Na primeira foto, o PINAR com seus criadores, Edvaldo e Otolini, a partir da direita. Na segunda foto, o estilo tosco do Coupê

Pouco sabe-se também a respeito das características técnicas do projeto.  O PINAR era um automóvel pequeno e sua carroceria foi inteiramente feita a mão, com 3 metros de entre-eixos e com design bastante controverso. Apesar da enorme grade frontal cromada, ao melhor estilo americano da época, tinha motor traseiro refrigerado a ar. Segundo reportagem da revista O Cruzeiro, o carro era “bonito por fora, mas horripilante por dentro”. Mas as poucas fotos da época, indicam que o automóvel não podia ser considerado propriamente um “padrão de beleza”, mesmo externamente.

Plágio do motor Volkswagen

O exemplar conversível, já no final dos anos 1950, em foto do acervo da Família Gimenes. O carro que antes era preto, agora tem cor mais clara

De acordo com seus criadores, o PINAR era um projeto que utilizava tecnologia 100% nacional. Mas ainda segundo O Cruzeiro, seu motor nada mais era do que uma cópia fiel do motor boxer da Volkswagen, uma empresa ainda desconhecida por aqui e cujos primeiros automóveis começavam a desembarcar no Brasil, pelas mãos da Brasmotor. Em outra reportagem da época na mesma revista, o próprio Domingos Otolini declarava: “Fiz uma cópia fiel do motor alemão Volkswagen, cujo modelo foi roubado na Alemanha por um sargento brasileiro e entregue aqui no Brasil”. Teriam os idealizadores tentado enganar o Presidente e a cúpula do Exército e da FNM?

Com a recusa de Getúlio Vargas em produzir o PINAR, os 3 protótipos foram divididos entre seus idealizadores. Hoje, não se sabe que fim levaram os protótipos e poucas pessoas jamais sequer ouviram falar deste intrigante episódio da trajetória da indústria automobilística brasileira.

Texto e edição: Fernando Barenco


Matéria originalmente publicada em agosto de 2009 e atualizada e reeditada em julho de 2020

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