Colunista Convidado

Piloto por um dia

Meu pai sentado no "bolido"

Piloto por um dia

Alfredo Prandato Jr.

[dropcap]N[/dropcap]o inicio de 1949, (eu tinha alguns meses de vida) meus pais moravam no bairro de Vila Prudente, em São Paulo. Lá também moravam dois irmãos portugueses que tinham muito dinheiro e que na época eram verdadeiros playboys. Gostavam de velocidade e por isso importaram da Itália um carros de corridas, na época o equivalente hoje a um Fórmula 1. Só não me lembro se era um Maserati ou um Alfa Romeo. O carro não era novo e quando chegou em São Paulo todo desmontado e em condições mecânicas bem precárias, meu pai, mecânico e amigos dos irmãos portugueses, foi contratado para fazer a restauração e montagem do veículo. Ele teve um trabalho danado para colocar o veículo em condições de corrida.

Um dos irmãos portugueses se inscreveu para uma corrida que seria realizada no Autódromo de Interlagos no mesmo ano de 1949. Nessa época a região onde foi construída essa pista era o verdadeiro fim do mundo. Para chegar até lá existia uma “auto-estrada” construída por iniciativa particular e é claro para usá-la era necessário pagar pedágio.

Junto ao “bólido” os dois irmãos “morrugas” proprietários do veículo

No dia da corrida, onde iriam participar pilotos experientes e famosos — dentre eles segundo me contou meu pai, estava o nosso famoso corredor Chico Landi — sabe o que aconteceu horas antes da largada, com o tal português? O “morruga” afinou, ficou com medo!

Meu pai ficou inconformado! Depois de tanto trabalho, ele não queria que todo esforço e dedicação fossem por água abaixo. Ele então com seus 37 anos e como bom mecânico e motorista que era, achou que poderia também ser piloto. Coragem ele tinha, só que deveria lembrar que era casado, tinha uma filha com 9 anos de idade e eu com poucos meses de idade. Ele trabalhava como mecânico, mas como empregado e dependia do emprego para sustentar a família.

Adivinha o que aconteceu? Ele na última hora se inscreveu para correr. Parece que foi com outro nome ou quem sabe lá como conseguiu. Só sei que ele alinhou para a partida. Segundo ele me contou, depois de algumas voltas ele tomou uma fechada na curva do pinheirinho (temos que lembrar que o traçado de Interlagos era maior do que o de hoje e a pista com um asfalto muito precário, cheio de buracos e sem acostamento ou guard-rail), saiu da pista e capotou. Foi de ambulância para o Hospital das Clínicas onde foi constatado depois de um raio X que ele tinha fraturado a clavícula. Foi então colocado um colete de gesso.

E agora, como chegar em casa e encarar a “patroa”, já que ela de nada sabia? Ou melhor, só sabia que ele iria para Interlagos no dia da corrida trabalhar como mecânico do “morruga”. Como iria explicar que não poderia trabalhar por pelo menos 3 meses, isso mesmo, 3 meses. O dono da oficina mecânica não iria querer saber. Ou trabalhava ou não recebia. Eles nem registravam os empregados, então não teria como receber auxilio doença do então INSS, se é que isso existia naquela época.

O carro cercado de curiosos, momentos antes da largada

Minha mãe que já costurava em casa para ajudar o sustento da família teve de trabalhar dobrado para pagar as contas no fim do mês, a sorte é que naquela época existia a famosa caderneta, popularmente chamada na época de “cardeneta” nos armazéns de secos e molhados, padarias e açougues. Era só comprar, e o vendedor anotava tudo e o pagamento feito no dia combinado, tudo na base da confiança. Hoje isso seria impossível.

No fim, ele pelo menos se sentiu realizado, viu o carro que ele restaurou correr em Interlagos e o mais importante, foi também um piloto de corridas mesmo que por poucos momentos é claro, mas que ele nunca se esqueceu durante toda a sua vida.

Faço desse depoimento uma homenagem a meu pai Alfredo Prandato, que faleceu em 1987 aos 75 anos e que tenho certeza ficara de onde estiver, muito contente.

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