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A odisséia de uma histórica jardineira

Ecyr Maciel e o objeto de seu grande orgulho, com toda razão!

RESTAURAÇÃO

A odisséia de uma histórica jardineira

[dropcap]O[/dropcap]bra de arte! Essa é a sensação que temos ao nos depararmos com o velho veículo de transporte coletivo, que começou sua vida nas empoeiradas estradas do interior de Minas Gerais, lá atrás, no início do século passado.

Quem vê esta Jardineira da marca International, fabricada em 1936, em seu estado de conservação atual, pode imaginar que ela atravessou seus 80 anos assim: linda e impecável. Alheia à cruel e inevitável ação do tempo! Ledo engano!

Tudo começou em 1978, quando o colecionador de automóveis antigos Ecir Maciel, de São João Del Rei – MG, foi visitar um amigo na vizinha Barbacena. Ao chegar à cidade deu de cara com aquele veículo estranho, espécie de caminhão, mas que possuía apenas uma cabine e uma longa prancha de madeira, fazendo o papel de carroceria. Típico trabalho de adaptação. Sobre ele melancias, laranjas, bananas e outras frutas que eram vendidas pelas ruas. Seu estado de conservação era mesmo deplorável, mas preservava grande parte de dos componentes originais essenciais à sua salvação: a cabine, a mecânica, o chassi, os instrumentos do painel…

O ferrugem nas veias falou mais alto e imediatamente Maciel esqueceu o motivo real de sua viagem e propôs ao quitandeiro a compra do carro. A resposta do vendedor foi surpreendente: —“Ele me disse que poderia vender o ônibus, mas não aceitaria cheques, somente dinheiro ‘vivo’. O negócio deveria ser fechado naquele momento e o pior de tudo: só venderia o veículo com toda a mercadoria a bordo, pois havia acabado de fazer a feira”. O colecionador pediu emprestado a quantia necessária ao amigo de Barbacena, já que devido ao imprevisto da compra, não havia trazido dinheiro. Feliz, levou a jardineira e de quebra todo o carregamento de frutas.

Antes de começar o árduo trabalho de restauração, o antigomobilista fez uma completa pesquisa sobre o exemplar que havia adquirido e sobre suas características originais. Foram dois anos de investigações. Descobriu por exemplo que nos anos 1930/40 o coletivo trabalhou na cidade de Entre Rios de Minas, fazendo o transporte de passageiros entre a sede do município e o distrito de Desterro. Sua primeira placa de licenciamento era “A5”, simplesmente. Após se “aposentar do serviço público”, a jardineira foi vendida a uma família de Conselheiro Lafaiete, também em Minas Gerais. Por lá ficou durante muito anos e acabou indo parar em Barbacena, onde um triste fim lhe aguardava, não fosse Maciel e sua determinação.

Finda a investigação, era hora de colocar a mão na massa, quer dizer, na madeira, já que 90% do ônibus é feito deste material. Mas isso não representou nenhuma dificuldade. Pelo contrário, até facilitou: empresário do ramo de móveis, Maciel dedicou espaço no galpão de sua indústria para dar vida nova ao veículo. Ele mesmo fez todo o trabalho, com a ajuda de amigos: da confecção dos moldes, à marcenaria, da funilaria aos detalhes. E olha que o que não faltam são detalhes! Só mesmo a pintura foi feita fora, por um profissional especializado, devido à sofisticação que a International exigia. —“Mandei buscar no Norte o Jatobá do Acre que usamos para refazer o assoalho, os bancos, o teto e todo o resto. Madeira dura, que não entra prego de jeito nenhum”.

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    O ônibus no Brasil

    maisantigodobrasilO primeiro ônibus que se tem notícia no Brasil era da marca francesa Panhard e chegou em Pernambuco no ano de 1900. Já as primeiras Jardineiras desembarcaram em 1919. Eram montadas sobre caminhões onde a única parte original externa mantida no veículo era a frente, com o capô do motor, faróis e parachoque. A parte traseira era totalmente de madeira. Depois, vieram as carrocerias fabricadas em chapas. A partir de 1926 foram importadas as famosas jardineiras chamadas de “Yellow Coach”. O primeiro ônibus genuinamente brasileiro só foi fabricado em 1941 pelos irmãos Grassi, com capacidade para 45 pessoas.[/box]

    A odisséia finalmente terminou em 1998, passados exatos 20 anos da aquisição. E Maciel garante: — “Durante todo esse tempo o trabalho não foi deixado de lado, como acontece em alguns casos. Chegava o final de semana lá ia eu trabalhar no carro”.

    De tão perfeitos, os moldes da 36 auxiliaram também na recuperação de uma jardineira “quase” idêntica de Juiz de Fora – MG, que hoje participa das gravações da novela Eterna Magia, da Rede Globo. “Quase” porque o restauro não ficou tão rico em detalhes.

    Hoje o ônibus-jardineira recebe muitos convites para participar de encontros de automóveis antigos. E sempre que é possível Maciel aceita o convite, levando esta “velha senhora” ao local do evento sobre um caminhão-prancha. E o sucesso é sempre absoluto e o público se encanta com sua riqueza, que pode ser comprovada no álbum de fotos que produzimos para esta reportagem.

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    A origem da palavra “Jardineira”  

    No início do século XX “Jardineira” virou sinônimo de ônibus. A palavra tem origem no francês “jardin”, que designa também horta, pomar, quintal. Os agricultores franceses transportavam seus produtos para as cidades em veículos utilitários denominados de
    “ jardinière”. Quando as jardinière passaram a transportar também pessoas, manteve-se o nome original. Na Itália, virou “giardineira”. E na Espanha, “jardinera”. Imigrantes espanhóis e italianos enriqueceram nossa língua com a variante “jardineira”.[/box]

    Texto e fotos: Fernando Barenco

     

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