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Pian GT em 3D – Homenagem a um gênio do design brasileiro!

Pian GT
[dropcap]M[/dropcap]eu grande amigo e excepcional designer Márcio Lima Piancastelli faleceu no dia 18 de junho de 2015, após anos de luta contra grave enfermidade.

Em 2003 o nome estava na ponta da língua, Marcio Lima Piancastelli, tanto que ele foi citado várias vezes no capítulo dedicado ao VW Brasília em meu primeiro livro. Mas a pessoa em si estava distante. Vários anos depois, no dia 6 de setembro de 2014, eu participei de um encontro do VW SP2 Club realizado na casa do Piancastelli, em Araçoiaba da Serra/SP, para comemorar o seu aniversário.

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Diversos VWs SP2 reunidos no aniversário de Márcio Piancastelli, no ano passado

Ao chegar lá fui recebido por ele na varanda de sua casa, aproveitei para dar-lhe um exemplar de meu livro com uma dedicatória especial. O encontro foi selado com um abraço. E ele mostrou o livro aberto no capítulo do VW Brasília com alegria para seu colega de tantos anos o Jota, aliás, José Vicente Novita Martins, que com sua esposa Beth veio participar da festa. Num dado momento, após o churrasco, o pessoal se reuniu para atender membros do clube, como se pode ver na foto, onde aparecem: à esquerda, de pé, o Gabriel Domingues Abrantes da Silva, e sentado, de barba branca, seu pai. De costas o Márcio Piancastelli, ao fundo Jota e sua esposa, a Beth, e em pé a esposa do Pincastelli, a Salu. À direita, em pé em primeiro plano Sydney Manzione e depois seu filho Cesar Ozolins Manzione, que é o meu contato com o VW SP2 Club.

Ai eu tive a oportunidade de visitar o ateliê do Piancastelli, cujas paredes estavam cobertas com seus trabalhos. Também tive acesso a um álbum que ele intitulou: “Marcio Piancastelli – O designer do Brasil – Meus brinquedos favoritos”. Aproveitando a facilidade das máquinas digitais eu parti para uma decidida coleta de fotos que podem ser vistas no álbum: https://goo.gl/RquCNQ. Esta é uma parte do acervo que o Piancastelli tinha, eram aquelas que ele mais gostava de mostrar para seus visitantes.

Dentre os desenhos que consegui fotografar havia muitos estudos que não vieram a ser executados, alguns muito interessantes. Fiquei imaginando como seria se eles tivessem sido realizados… Veio-me a ideia de fazer uma homenagem para o Piancastelli, mas ai eu iria precisar da ajuda de um amigo expert em desenhos em 3D feitos for computador através de modelagem e renderização, o mundialmente reconhecido Dan Paltnik. Entrei em contato com ele que imediatamente se prontificou a participar da homenagem. Ele declarou ser um fã do Piancastelli e adiante disse que já tinha iniciado uma série de trabalhos com carros de designers brasileiros que não saíram do papel, como foi o caso da “materialização virtual” de projetos do Simca Xangô do Anísio Campos, do DKV GT do Ari ‘Aruanda’ Rocha e do Metra GT dos Irmãos Bob e Ronald Sharp. Deste lado as coisas estavam bem encaminhadas.

O próximo passo era definir qual dos desenhos seria submetido à modelagem. Fiz contato com a filha do Piancastelli, a Alessandra Iha Piancastelli Lóss, e ela falou com o pai e foi definido que o carro que seria modelado seria o primeiro desenho que o Piancastelli havia feito em seu estágio na Carrozzeria Ghia de Turim, na Itália, em 1963. Este estágio foi o prêmio que ele recebeu por ter tirado o segundo lugar no Concurso Lúcio Meira realizado em 1962. Este prêmio foi oferecido pelo “carrozziere” Luigi Segre (criador do Karmann-Ghia), que tinha participado da comissão julgadora. O contato com o Piancastelli era feito através da filha, ou do genro, o Marcelo Lóss, para evitar contatos diretos devido à saúde do Piancastelli que já apresentava problemas crescentes. Estávamos em janeiro de 2015.

O desenho de 1963 tinha sido atualizado em 1998 e numa das páginas do álbum estavam as duas versões, acima o original e abaixo a releitura. Era o material de partida, mas foi necessário que proporções e várias informações adicionais fossem definidas para permitir o trabalho do Dan que passou a se comunicar com o Marcelo, que é um expert no assunto design já que sua função na Ford é Design Quality Engineer. Os trabalhos em Araçoiaba da Serra eram desenvolvidos nos fins de semana quando o pessoal ia visitar os pais da Alessandra; e isto respeitando as condições do Piancastelli que já se cansava facilmente.

Com base nos desenhos, Marcelo ia definindo os parâmetros necessários com seu sogro, as reuniões eram realizadas no ateliê do Piancastelli os desenhos estavam tanto na mesa de trabalho dos dois como na parede perto da porta de entrada. Destas reuniões resultou uma folha de papel com vários croquis, dimensões e definições de detalhes que foi enviada para o Dan com as indicações do Piancastelli para a modelagem em computador. Com base nisto a orientação dos detalhes para a modelagem foi compilada pelo Dan.

O estado de saúde do Piancastelli foi se agravando e as quimioterapias se sucediam. No dia 29 de janeiro de 2015 Marcelo recebeu a primeira leva de desenhos enviados pelo Dan. Era dia de mais uma quimioterapia depois da qual o Pincastelli, muito cansado, recostou um pouco no carro da filha para se preparar para viagem de volta para sua casa, perto de Sorocaba. Neste momento Marcelo foi até onde o Piancastelli estava com os desenhos e como num passe de mágica o Piancastelli se encheu de energia, se aprumou no banco, e imediatamente, pegou uma caneta no porta-luvas e começou a comentar e rabiscar os desenhos, dentro do carro mesmo [Foto-10 e Foto-11]. Um pequeno milagre que aquela ação de modelagem estava a realizar…

Pouco tempo depois, o Dan que estava dando prioridade para este trabalho, que por si só trazia uma forte carga de emoção, concluiu os trabalhos acrescentando a engenharia de interior e detalhes de acabamento escolhidos com o cuidado e o requinte que a qualidade deste design exigia. Até este momento o carro ainda não tinha um nome, mas depois de algumas consultas o nome de batismo foi definido no dia 8 de fevereiro de 2015: Pian GT.

As fotos do carro chamaram a atenção de especialistas no mundo inteiro, bem como de leigos e muitas pessoas queriam saber quando ele estaria disponível para a compra. As fotos falam por si.

O processo de modelagem e renderização é algo incrível e que requer muito conhecimento e proficiência no uso dos softwares que permitem se chegar ao resultado final, talvez este vídeo, feito a partir de uma apresentação preparada pelo Dan, possa dar uma ideia do trabalho envolvido e demonstre o quanto de competência foi empregado bem como a qualidade e senso aguçado de estética do Dan, que é um verdadeiro designer cibernético.

Neste ponto, para complementar esta matéria com o ponto de vista dos envolvidos, ai vão seus depoimentos:

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Dan Palatnik:

“Quando você, Alexander, me fez a proposta de modelar uma criação do Marcio fiquei muito honrado de poder participar, ainda que de forma indireta, da concepção do projeto, porque a modelagem deu vida, mesmo que virtual, a um desenho interessantíssimo que permanece atual passados tantos anos.

Logo que recebi os primeiros desenhos achei que o Pian GT, como foi batizado o desenho, daria um belo resultado. Afinal trata-se de uma “berlineta” bem proporcionada, típica do princípio dos anos 60. Embora tenha influência de vários desenhos (afinal foi criada quando o designer fazia estágio na Ghia) é originalíssima.

O desenho do Marcio é claríssimo e foi preciso pouca informação complementar para preencher os detalhes que não aparecem no original. Conversando com o Marcelo definimos a curvatura da frente afilada, a área alargada sobre as rodas traseiras, o desenho das lanternas. Iniciei a modelagem e só mais adiante notei que as portas eram estilo carlinga (com o vidro da frente e capota num só módulo) e ausência da coluna A. Marcelo confirmou que era essa a intenção do Marcio.

Acrescentei detalhes do interior – bancos, painel, volante – de modelos de esportivos italianos que já havia feito e o Pian GT ficou pronto. O resultado, sou suspeito, foi elogiado por designers e conhecidos que atuam na confecção de carrocerias artesanais mundo afora. Um tento para o design automotivo brasileiro.

Eduardo Prado certa vez me enviou o desenho técnico do Metra GT que os irmãos Sharp fizeram nos anos 60, mantendo a mecânica e o entre eixos original do DKW. Conversamos sobre as vantagens da modelagem 3D como simulador do processo real de projeto que vai do desenho ao “buck” de argila ou madeira pré-estamparia das chapas. Usando as vistas como base, fiz apenas algumas alterações sutis na carroceria. Recompensador ver as perspectivas de um desenho que até então só existia em vistas ortogonais.

Através da modelagem do carro recordista Carcará fiz contato com Anísio Campos. Anísio me ligou e fez uma visita ao estúdio, onde entre muitos casos mencionou o projeto do Xangô, um esportivo montado sobre chassi encurtado do sedã Chambord. No mesmo instante dei uma busca na internet e baixei a vista lateral que ele tinha desenhado, uma linda arte em tons de ultramarino. Combinamos que o Xangô ganharia vida digital para, como o Metra GT, poder ser apreciado em todos os ângulos. O que faltasse de informação visual seria orientado pelo próprio Anísio em troca de e-mails até as imagens finais.

O terceiro esportivo nacional da galeria foi o DKW GT de Ari Rocha. Descobri esse desenho numa conversa com Roberto Fróes, proprietário de um sedã DKW, e solicitei mais informações ao próprio Ari que então publicou a arte original e descreveu como seriam a frente e a traseira. Mais um projeto que se tivesse chegado às ruas teria mudado o panorama automotivo brasileiro e hoje seria cobiçadíssimo entre os colecionadores.

Sem falar no privilégio que é a interação com esses projetistas pioneiros do automobilismo brasileiro.

Continuo em busca desses projetos que nunca foram adiante, para ampliar o setor dos esportivos virtuais nacionais na minha Garagem Digital. Se você souber de mais desses desenhos… É um trabalho de divulgação apenas. Mas assim vamos acrescentando mais detalhes à história do Design automotivo nacional.”

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As quatro modelagens num encontro virtual em algum tempo e em algum lugar: o Pian GT, o DKW GT, o Metra GT, e o Xangô

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Marcelo Lóss:

“O Pian GT, como foi batizado, sempre foi um dos meus desenhos favoritos no acervo do Marcio. Sempre admirei as linhas limpas e clássicas daquele carro que no meu imaginário sempre teve um motor central, plano. Fiquei muito feliz quando depois das conversas, o Márcio escolheu justo o que eu mais gosto para ser modelado e renderizado pelo Dan, principalmente devido às suas proporções e seu tamanho.

Deste período existem algumas propostas que ele elaborou na Ghia para a Ford, Borgward, Lamborghini e Jaguar que estão no arquivo pessoal dele. Porém o Pian GT não foi feito para nenhuma destas empresas, mas ele declarou que foi um dos primeiros desenhos elaborados já com o conhecimento adquirido no período de aprendizagem/estágio na Ghia.

Quando começamos a modelação para atender aos pedidos do Dan logo apareceram umas perguntas sobre a proporção e a minha ideia principal foi identificar veículos que tinham o mesmo tamanho e proporção. Eu identifiquei o Porsche 914/6 como base, e depois das minhas perguntas fomos ao ateliê de Marcio, acho que foi uma das últimas vezes que estivemos lá juntos. Ele resgatou um desenho em blueprint do Alfa 33, que ele guardou desde a época de seu estágio e que tem a vista lateral, superior, frontal e traseira. Com estes desenhos em mãos fizemos alguns esboços e comentários que serviram para a modelação.

Minha maior surpresa foi quando ele afirmou que o desenho original do Pian GT deveria estar em proporção. E após medições, a proporção perfeita foi identificada na distância para o solo, na altura do teto do carro e na distância entre eixos.

Assim, cada desenho enviado pelo Dan foi recebido com muito carinho e deixava o Márcio impressionado com a capacidade dele de representar com realidade as suas ideias.

A forma da dianteira e a duas janelas foram imediatamente lembradas por ele. O formato do vidro dianteiro foi um resgate das ideias iniciais dele na Ghia, um carro conceitual de um estudante sonhador à época. Até ele mesmo já havia se conformado com o fato de que um carro sem colunas é muito difícil de ser realizado, mas a pergunta do Dan sobre a coluna A resgatou esta ideia.
Assim cada impressão dos desenhos do Dan trazia mais um sopro de vida, visto que a doença do Márcio progredia rapidamente. E os últimos dados que foram definidos foram o formato das lanternas, e o logo que ele escolheu, que foi o triângulo vermelho da bandeira de Minas Gerais.

O resultado final foi um orgulho para todos e ele presenteou com cópias irmãos, sobrinhos e netos.”

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Nota do Autor: este material foi originalmente publicado na minha coluna “Falando de Fusca” do Site AUTOentusiastas (www.autoentusiastas.com.br), e esta publicação ocorre de comum acordo com os gestores deste Site. Esta é a versão completa da matéria. 

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Alexander Gromow

Ex-Presidente do Fusca Clube do Brasil. Autor do livro EU AMO FUSCA e compilador do livro EU AMO FUSCA II. Autor de artigos sobre o assunto publicados em boletins de clubes e na imprensa nacional e internacional. Participou do lançamento do Dia Nacional do Fusca e apresentou o projeto que motivou a aprovação do Dia Municipal do Fusca em São Paulo. Lançou o Dia Mundial do Fusca em Bad Camberg, na Alemanha. Historiador amador reconhecido a nível mundial e ativista de movimentos que visam à preservação do Fusca e de carros antigos em geral. Participou de vários programas de TV e rádio sobre o assunto. É palestrante sobre o assunto VW com ênfase para os resfriados a ar. Foi eleito “Antigomobilista do Ano de 2012” no concurso realizado pelo VI ABC Old Cars.

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