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Corcel I para recordar de um Renault 12

Corcel I para recordar de um Renault 12

*Arnaldo Keller

[dropcap]E[/dropcap]stava eu em Pirassununga, SP, saindo a pé da oficina do Zé Luís, onde deixara o carro da minha mulher, quando vejo ali na rua, parado, um Corcel I de cor bege clara. Sempre tive uma quedinha pelo Corcel I, principalmente os últimos que saíram, os do capô com as elevações quadradas logo acima dos faróis. Sempre o achei bonitinho, charmosinho. E esse ainda por cima tinha cor igualzinha à do meu primeiro carro zero, um Fuscão 74, a cor bege alabastro.

Passei a xeretá-lo, quando dali a pouco veio o Zé Luís com a chave do Corcel na mão, — Pega aí, Arnaldo. Estou vendendo e está inteirinho. Fique hoje com o carro enquanto conserto o seu.

Era bem o que eu queria, andar de Corcelzinho. A ergonomia é boa. O trambulador de marchas é uma seda, com alavanca fina e longa, delicadinha. Mudo as marchas usando as pontas dos dedos. O pedal da embreagem é normal, nem pesado nem leve. Os freios, a disco na frente, são mais ou menos, ou melhor, mais, para a época deles, e menos, para hoje. O volante é pesado, tanto que usaram o mesmo recurso que a Ferrari usava nessa época, quando os Ferrari não tinham direção hidráulica, que é posicionar o volante mais inclinado para que tenhamos uma posição com maior força, pois assim dá mais pegada para os bíceps. Se esse volante estivesse no estilo dos carros alemães, na vertical, ficaria pesadíssimo.

Era bem o que eu queria, andar de Corcelzinho. A ergonomia é boa. O trambulador de marchas é uma seda, com alavanca fina e longa, delicadinha. Mudo as marchas usando as pontas dos dedos. O pedal da embreagem é normal, nem pesado nem leve. Os freios, a disco na frente, são mais ou menos, ou melhor, mais, para a época deles, e menos, para hoje.

O motor é de baixa rotação, elástico e logo se esgoela. Isso, aliado a um câmbio curto e de marchas próximas umas das outras, o deixa espertinho e valente. Fortinho o danado. Pisou, ele responde de pronto.

Estava todo certinho de mecânica e bom de lata. Tudo original, só lhe faltando os bancos e volante originais. Justo os bancos, aqueles bancos macios e envolventes! Bancos poltrona.

Comprei o carro, e justo eu, que sempre fui fusqueiro e amante de tração traseira, e justo eu, que há pouco me haviam furtado um Fusca 66 –branquinho, com motorzinho 1600 preparado, balanceado, cabeçotes trabalhados, comando fortinho –, e justo eu que andava sondando algum Chevette bom pra receber um bom V6. Como é que acabei comprando um carro 1977 com poucos recursos para meter-lhe boa potência e ainda por cima um tremendo tração dianteira saidor de frente que só ele?

Comprei-o faz uns 6 meses, e estou feliz com ele.

Comprei-o principalmente porque ele me lembra uma das boas aventuras que tive a sorte de fazer, e essa foi com um Renault 12 na Argentina. O Ford Corcel, na verdade, é um projeto Renault, tanto é que na Argentina, seu irmão, o Renault 12, fez muito sucesso e é mecanicamente igual e tem carroceria bem semelhante.

Foi em 1979, e meu irmão e eu alugamos um Renault 12 em Bariloche e tocamos para San Martin de Los Andes, outra estação de esqui, hoje badalada, mas que naquela época tinha turismo incipiente.

Esquis no bagageiro, retão patagônico asfaltado que beirava paralelamente a serra andina, motor gritando em 4a e última marcha, quando vejo uma plaquinha indicando um caminho alternativo para San Martin: El Camino de Los Siete Lagos, uma estradinha de cascalho que seguia direto em direção às montanhas escuras. Foi por ali mesmo. Uma freada brusca, uma reduzida para 3a marcha, e entramos à toda por aquela estrada com o Renaultzinho escorregando de lado e jogando pedregulho pra tudo quanto é lado. Pé no acelerador e lenha no bichinho. Sobe serra, neve, desce serra, degelo e água funda cruzando a estradinha. Árvores caídas, pontes caídas, riachos a cruzar, lama, e uma paisagem deslumbrante, com lagos plácidos e montanhas majestosas, vacas, cavalos, carneiros, fazendas. Todo e qualquer ângulo seria uma foto para cartão postal. A viagem foi de uns 130 km nessa base, sem asfalto, daí que a coisa estava se alongando e nossos pais já nos esperavam em San Martin, daí que eu tinha que correr para chegar logo para que eles não ficassem preocupados com a nossa demora, senão arrumaríamos um canto qualquer para lá ficarmos uns dias.

Comprei o carro, e justo eu, que sempre fui fusqueiro e amante de tração traseira, e justo eu, que há pouco me haviam furtado um Fusca 66 –branquinho, com motorzinho 1600 preparado, balanceado, cabeçotes trabalhados, comando fortinho –, e justo eu que andava sondando algum Chevette bom pra receber um bom V6.

E o Renault 12 vermelho, que tinha o mesmo ronco e modos do meu Corcel bege alabastro, gastou pouquíssima gasolina e foi macho pra caramba. Varou as piores estradas, subiu as piores rampas com neve misturada à lama, tendo só pneus dianteiros especiais para neve como algo a mais; sempre nos mantendo aquecidos com seu farto ar-quente e nos inspirando imensa confiança. Não queríamos outro carro nas mãos para enfrentar essa barra. Era ele e só ele.
E foi por causa desse Renault que comprei este Ford velhusco. Volta e meia, quando o dirijo, me lembro dessa belíssima e venturosa viagem, onde dois jovens irmãos estavam onde queriam estar e faziam o que bem queriam fazer.

Porque será que os carros têm esse poder de reavivar tão fortemente fatos passados?

 

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*Arnaldo Keller é jornalista automobilístico especializado em carros esportivos, contribuindo para as revistas 4 Rodas, 4 Rodas Clássicos, Car and Drive e com o jornal Superauto. É autor do livro “Um Corvette na noite e outros contos potentes” recém-lançado pela Editora Alaúde. Colabora também com o site Autoentusiastas.com.br [/box]

 

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